Ele teve seu prestígio, mas acabou sendo trocado pela paixão
instantânea e pelo sexo ocasional. Estou falando do
amor, lembra dele? Pois é, já viveu melhores dias. Nessa era
dos entusiasmos superficiais, ficou cafona falar de amor. Casais
agora se unem por desejo, oportunidade ou conveniência.
Todos querem se apaixonar amanhã e somar mais um
nome ao seu currículo pessoal de aventuras, mas cultivar um amor
para sempre? Cruzes.
O amor, para os desencantados do século XXI, deixou
de ser fotogênico e inspirador.
Já deu os versos que tinha que dar.
Quem teria paciência e tempo, hoje, para se dedicar a uma só pessoa?
O amor faz sofrer e, além disso, não rende uma
boa história para repartir com os amigos,
não vira matéria de Segundo Caderno,
foi barrado das redes sociais.
O amor segue valorizado, apenas, no cinema e nos livros.
A arte ainda investiga esse sentimento
que teima em não ser da forma que o idealizamos.
O amor quase sempre se apresenta como difícil,
seja por diferenças raciais, sociais e de idade,
ou porque um dos amantes é casado, ou por ser vivido à distância,
ou ainda porque as famílias não aprovam a união, no melhor estilo Capuleto e Montecchio
(só que em vez de os pais encrencarem, agora quem encrencam
são os filhos do primeiro casamento).
Ainda assim, eu arriscaria dizer que nada é mais poderoso
do que o que a gente sente. Nada. Nem mesmo o que a gente pensa.
O amor é bem mais exigente do que a paixão efêmera:
ele pressupõe a construção de duas vidas a partir de uma
simples troca de olhares, que é como tudo geralmente começa.
Enquanto a paixão se esgota em si mesma e não está
interessada no amanhã, o amor é ambicioso, se pretende
eterno, e para pavimentar esta eternidade não mede
esforços. É uma loucura disfarçada de sanidade.
Não fosse uma loucura, o amor não seria o que é: lírico e
profundo, rebelde e transformador. Amar é a transgressão
maior. É quando rompemos com a nossa solidão
para inaugurar uma vida compartilhada e, portanto, inédita.
Só mesmo a loucura inclassificável do amor
para fazer as pessoas criarem trigêmeos,
trocarem de sobrenome, dividirem o mesmo banheiro,
relacionarem-se com os parentes do outro
e achar tudo isso normal e inebriante.
Mesmo desprestigiado, devemos muito a ele.
“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver amor, serei como o bronze que soa,
ou como o címbalo que retine.” ( Cor,13, 1-7).
Eis um pouquinho de reflexão neste mês natalino,
em que o amor sai do limbo, ganha novo fôlego e avisa
que ainda está vivo. Seu aparente descrédito é consequência
da pressa de viver, da urgência dos dias, da necessidade
de se “aproveitar” cada instante, como se amar
fosse um impedimento para o prazer. Francamente, o que
se aproveita, de fato, quando não se sente coisa alguma? A
resposta é: coisa alguma.
Marta Medeiros - Dezembro e o Amor - Revista O Globo - 8.12.2013
*********
Depois do Auden, tenho crédito para transcrever a Marta Medeiros.
... e concordo com o que ela diz, com todos os clichês do texto. Afinal falar de amor é um tremendo clichê.
mas....é o amor - por uma pessoa, uma causa - a única força capaz de dar sentido ao absurdo dessa vida e às perguntas sem resposta que ela nos apresenta.
Tem a fé também...mas aí já é outro papo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário