domingo, 15 de dezembro de 2013

Somos um povo fútil

"No Brasil, tudo vira moda. Até manifestação de rua.”
Ouvi essa frase de um motorista
de táxi durante os acontecimentos
de junho, e achei um exagero. Rebati, dizendo
que o povo nas ruas tinha um significado
imenso e ia propiciar a mudança de várias leis. Ele
me olhou pelo retrovisor e respondeu que era verdade,
mas que via muitos jovens, a caminho das
manifestações, agindo como se estivessem indo
para um bloco de carnaval. “É a onda do momento”,
insistiu. “Daqui a pouco passa.”
Em poucas semanas, as manifestações começaram
a esvaziar. Os motivos eram muitos: a
ação dos black blocks, as depredações, a violência
da polícia, as denúncias de interesses escusos
por parte de políticos, milicianos, traficantes.
Mas não pude deixar de pensar nas palavras
do motorista de táxi.
Tornei a pensar nelas há algumas semanas, ao
voltar de uma viagem de quase um mês à Alemanha.
Ao desembarcar no Brasil, fui tomada
pela sensação de que somos mesmo um país de
modismos. Um povo fútil. Sei que é um clichê
essa história de ir à Europa e voltar falando de
“um banho de civilização”. Sempre fui contra isso.
Mas, desta vez — depois de visitar 11 museus,
duas exposições, de ir a um concerto de
música clássica e de visitar uma gigantesca feira
de livros —, alguma coisa aconteceu comigo.
Acho que uma das razões dessa sensação foi a
leitura, durante a viagem, do livro de Mario Vargas
Llosa, “A civilização do espetáculo”. Embora em alguns
pontos eu discorde do escritor, o livro me
chamou a atenção para a destruição da cultura no
mundo moderno, em favor do entretenimento. Esse
conceito me deixou pensando no Brasil — nesse
país que não lê livros, mas onde quase todo
mundo tem celular. Onde se veem, nos bairros pobres,
antenas parabólicas sobre casas miseráveis,
onde há mais televisores do que geladeiras, e onde,
em vez de bibliotecas, temos lan houses. País
que parece ter passado, em massa, do analfabetismo
funcional para o Facebook — sem escalas.
Outro fator que contribuiu para a minha sensação,
ao voltar, foi essa lamentável discussão sobre
as biografias. Muito me entristeceu ver biógrafos e
historiadores serem tratados como se fossem caçadores
de fofocas, quando o que está em jogo,
com essa distorção no Código Civil, é a memória
— e a História — de nosso país. Lamentei ver artistas
que sempre lutaram pela liberdade defendendo
posições indefensáveis. Não pude deixar
de comparar o que estava acontecendo aqui com
a atitude dos alemães em relação ao seu próprio
passado (e que passado!). Eles não escondem nada.
Não são um país sem memória. Tinham todos
os motivos para ser, mas não são.
Nós somos. Descuidamos de nossos museus,
nosso patrimônio, nossos arquivos. Deixamos
cair aos pedaços a Biblioteca Nacional. Mas
adoramos automóveis. E televisores gigantes,
com telas de LED. Não podemos ficar um segundo
sem falar ao celular, nem mesmo quando
almoçamos (na Alemanha, os trens têm vagões
em que é proibido ligar celulares e computadores,
porque os bips incomodam). Quando viajamos
— refiro-me à nossa classe média —, o que
mais gostamos é de fazer compras. Já somos até
conhecidos nas lojas de Nova York e Miami, onde
os lojistas contratam vendedores que saibam
falar português. E somos vaidosos. Queremos
espetar botox no rosto e botar silicone nos seios.
Já há meninas de 14, 15 anos, pedindo às mães
que as deixem fazer isto. Nas ruas da Europa,
não se vê essa quantidade de seios artificiais
que temos por aqui. Estamos entre os campeões
mundiais em número de cirurgias plásticas. Em
cidades como Rio e São Paulo, há quase uma
academia de ginástica em cada quarteirão. Precisamos
malhar. E emagrecer. E não envelhecer
nunca. E comprar tênis novos. Mas podemos
passar um ano inteiro sem ler um único livro.
Temos péssimos resultados em matéria de educação
— em todos os sentidos.
Voltei da viagem com essa sensação de que
somos mesmo fúteis, superficiais, e me lembrei
do motorista do táxi.

Heloisa Seixas - O Globo, 14.12.2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário