A pergunta fundamental, a única que realmente é
pergunta, pois todas as demais são respostas disfarçadas, é a da
existência de Deus. Se Deus existe ou não, é problema da filosofia. Se
eu creio ou não em Deus, é o meu problema.
Ao terminar um romance coloquei na boca de um personagem a frase que
podia ser minha: "Deus acabou". Friso: não fiz o personagem afirmar:
"Deus não existe". Ou: "Não creio em Deus". Faço-o dizer como eu mesmo
me digo nas horas de angústia e tédio: Deus acabou.
Nos idos do passado, fui participar de um programa de TV apresentado por
Ary Barroso, que mantinha uma espécie de debate sobre determinado
assunto. Fui lá com o Austregésilo de Athayde debater a emocionante
questão: Deus existe? Austregésilo defendeu a afirmativa, a mim coube
defender a negativa.
Evidente, discutiu-se uma tese e não um problema pessoal. Ressuscitamos
velhas questões, os argumentos de causalidade, os cinco famosos
argumentos de São Tomás, a tese da realidade manifesta. O debate foi
erudito e não se chegou a nenhuma conclusão. Athayde saiu de lá crendo,
eu saí não crendo e Ary Barroso saiu ora crendo, ora não crendo.
Posso hoje confessar: não fui sincero naquele programa. Não que
realmente acredite em Deus, mas escamoteei meu verdadeiro pensamento.
Não me interessa saber se Deus existe ou inexiste. O que importa é que
Deus acabou para mim. Tive Deus e gastei Deus demais. Fui um perdulário
de Deus. Errei nos meus cálculos. Gastei demasiadamente um capital
inesgotável. Ora, cada um de nós tem uma determinada quota de Deus. Meu
capital não era tão grande como pensava, e gastei muito e depressa.
Como o filho pródigo, fui impaciente e me atirei a gozar a fundo. Um
dia, amanheci pobre e nu, disputando com os porcos os restos de comida
que sobravam da mesa dos mais prudentes.
Carlos Heitor Cony - Folha, 19.01.2014
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