terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Recado para os comissários do povo.

Ao defender autonomia, Ivan Shipov foi um dos heróis do Banco Central russo

No ano do centenário do golpe dos bolcheviques em São Petersburgo e do início da Revolução Russa, um domingo de Carnaval é boa ocasião para se falar de Ivan Shipov, um burocrata injustamente esquecido na história daqueles dias. Ele tinha 52 anos, era parte da elite do país e dirigia o banco do Estado da Rússia. Dado o golpe, os bolcheviques precisavam de dinheiro e mandaram buscar dez milhões de rublos com Shipov. A comitiva do comissariado foi recebida pelo burocrata e ele explicou que a instituição tinha "autonomia" e não podia liberar dinheiro desrespeitando as normas da responsabilidade fiscal. Os revolucionários deviam pedir os rublos ao Tesouro, a quem caberia transferir o ervanário para a conta do Soviet dos Comissários do Povo, e só então teriam o dinheiro.
Os bolcheviques levaram a noticia ao aparelho de Lênin e foram mandados de volta a Shipov, desta vez com uma escolta de marujos e um decreto, ameaçando-o de prisão. Nada feito. O comissário de Finanças voltou ao grande Shipov com uma nova escolta, prenderam-no e levaram-no para o QG dos comunistas, onde ele passou pelo menos uma noite.
Sucedeu-se uma greve dos funcionários do banco, a primeira do regime, que se espalhou para toda a rede bancária.
Prático, Lênin dizia que enquanto os comissários não pusessem a mão na chave do cofre, tudo não passaria de conversa. Ele só conseguiu a chave duas semanas depois da tomada do palácio de Inverno.
Uma parte da batalha dos bolcheviques para entrar no cofre do banco do Estado da Rússia e a greve dos bancários de Petersburgo estão contadas no livro History's Greatest Heist: The Looting of Russia by the Bolsheviks (O Maior Assalto da História: O Saque da Rússia pelos Bolcheviques), de Sean McMeekin. Ele revela que em seis meses os comunistas rapinaram 35 mil cofres. Em 1918, a estatal que coletava riquezas alheias estava confiscando até relógios, saleiros e garrafinhas de perfume.

Ivan Shipov perdeu o emprego e pouco se sabe dele. Teria morrido em 1919, de tifo ou de tiro. De sua passagem pelo serviço público restam as bonitas notas de rublos com sua assinatura. O professor Delfim Netto tem uma.

Elio Gaspari, Folha, 26.03.2017

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