Ao defender autonomia, Ivan Shipov foi um dos heróis do Banco Central russo
No ano do centenário do golpe dos bolcheviques em São
Petersburgo e do início da Revolução Russa, um domingo de Carnaval é boa
ocasião para se falar de Ivan Shipov, um burocrata injustamente esquecido na
história daqueles dias. Ele tinha 52 anos, era parte da elite do país e dirigia
o banco do Estado da Rússia. Dado o golpe, os bolcheviques precisavam de
dinheiro e mandaram buscar dez milhões de rublos com Shipov. A comitiva do
comissariado foi recebida pelo burocrata e ele explicou que a instituição tinha
"autonomia" e não podia liberar dinheiro desrespeitando as normas da
responsabilidade fiscal. Os revolucionários deviam pedir os rublos ao Tesouro,
a quem caberia transferir o ervanário para a conta do Soviet dos Comissários do
Povo, e só então teriam o dinheiro.
Os bolcheviques levaram a noticia ao aparelho de Lênin e
foram mandados de volta a Shipov, desta vez com uma escolta de marujos e um
decreto, ameaçando-o de prisão. Nada feito. O comissário de Finanças voltou ao
grande Shipov com uma nova escolta, prenderam-no e levaram-no para o QG dos
comunistas, onde ele passou pelo menos uma noite.
Sucedeu-se uma greve dos funcionários do banco, a primeira
do regime, que se espalhou para toda a rede bancária.
Prático, Lênin dizia que enquanto os comissários não
pusessem a mão na chave do cofre, tudo não passaria de conversa. Ele só
conseguiu a chave duas semanas depois da tomada do palácio de Inverno.
Uma parte da batalha dos bolcheviques para entrar no cofre
do banco do Estado da Rússia e a greve dos bancários de Petersburgo estão
contadas no livro History's Greatest Heist: The Looting of Russia by the
Bolsheviks (O Maior Assalto da História: O Saque da Rússia pelos
Bolcheviques), de Sean McMeekin. Ele revela que em seis meses os comunistas
rapinaram 35 mil cofres. Em 1918, a estatal que coletava riquezas alheias
estava confiscando até relógios, saleiros e garrafinhas de perfume.
Ivan Shipov perdeu o emprego e pouco se sabe dele. Teria
morrido em 1919, de tifo ou de tiro. De sua passagem pelo serviço público
restam as bonitas notas de rublos com sua assinatura. O professor Delfim Netto
tem uma.
Elio Gaspari, Folha, 26.03.2017
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