segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Cioran II

A mentira imanente

Viver significa: crer e esperar, mentir e mentir-se.Por isso a imagem mais verídica que se criou do homem continua sendo a do Cavaleiro da Triste Figura, esse cavaleiro que se encontra mesmo no sábio mais realizado.
........
Nem todos os homens podem ter êxito: a fecundidade de suas mentiras varia... Tal engano triunfa: disso resulta uma religião, uma doutrina ou um mito - e uma multidão de fiéis; outro fracassa: não passa então de uma divagação, de uma teoria ou de uma ficção. Só as coisas inertes não acrescentam nada ao que são: uma pedra não mente: não interessa a ninguém - enquanto que a vida inventa sem cessar: a vida é o romance da matéria.
Pó apaixonado por fantasmas, tal é o homem: sua imagem absoluta, idealmente semelhante, encarnar-se-ia em um Dom  Quixote visto por Ésquilo.
(Se na hierarquia das  mentiras a vida ocupa o primeiro lugar, o amor lhe sucede imediatamente, mentira na mentira. Expressão de nossa posição híbrida, cerca-se de beatitudes e de tormentos graças ao qual encontramos em outro um substituto para nós mesmos. Por qual embuste dois olhos nos apartam de nossa solidão? Há fracasso mais humilhante para o espírito?  O amor  adormece o conhecimento; o conhecimento desperto mata o amor.A irrealidade não pode triunfar indefinidamente, nem mesmo disfarçada com a aparência da mais estimulante mentira. E, de resto, quem teria uma ilusão tão firme para encontrar no outro o que buscou em váo em si mesmo? Um calor nas entranhas nos dará o que o universo inteiro não soube oferecer-nos? E, no entanto, esse é o fundamento desta anomalia corrente e sobrenatural: resolver a dois  - ou antes, suspender - todos os enigmas; graças a uma impostura, esquecer esta ficção em que está mergulhada a vida: com uma dupla carícia preencher a vacuidade geral : e - paródia do êxtase - afogar-se, finalmente, no suor de um cúmplice qualquer. )

Breviário da Decomposição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário