Quando, ou onde, passamos a ser as pessoas perdulárias, esbanjadoras, desperdiçadoras, sem noção que nos tornamos a ponto de estarmos correndo o risco –iminente, real, assustador– de não ter água para encher um copo e beber?
A cada novo auto-desmentido das "autoridades", a cada nova reportagem prenunciando o caos, a cada vez que é possível perceber o ridículo da situação em que nos encontramos, o sentimento que invade a alma é de vergonha. Vergonha de perceber que nos perdemos, e fico pensando: quando foi, onde foi?
Dias atrás tive duas conversas isoladas com amigos, nada a ver um com o outro, tudo a ver o espírito da coisa.
Na primeira, lembrávamos do tempo em que a gente ganhava presente –Natal, aniversário, dia da criança ou coisa assim– e guardava o papel. Sim, sobretudo se o papel fosse bem bonito, o presente era desembrulhado cuidadosamente para que a embalagem pudesse ser preservada, dobrada com todo o esmero e depois guardada numa gaveta –havia uma cômoda na casa da minha mãe em que as folhas ficavam ali, protegidas e lindinhas, para serem usadas na ocasião mais propícia. Nem pensar em rasgar e jogar fora, embora não houvesse nem sombra da consciência da reciclagem ou da preservação. Havia capricho, talvez bom senso ou comedimento em nome da praticidade e da beleza. Quando isso acabou?
Na outra conversa, eu lembrava da maratona que era, no começo dos anos 60, ir da capital paulista ao litoral - Santos, São Vicente ou, o destino mais popular desde sempre, Praia Grande.
Seja qual fosse o ponto de partida ou o destino dentre estes, havia sempre parada obrigatória em uma das muitas bicas de água potável disponíveis ao longo da Via Anchieta. Eram galões, garrafões ou mesmo prosaicos litros de vidro vazios, que o povo enchia com a água cristalina que brotava abundante daquele trecho sinuoso e belo da Serra do Mar. Era água boa, valorizada e respeitada. Quando foi que isso acabou?
Quando passamos a pagar mais de R$ 50 por uma reles pizza de queijo barato? Quando passamos a deixar restaurantes de bom preço para frequentar bistrôs de cardápios exorbitantes? Quando o muito passou a ser mais do que o melhor?
Quando nos tornamos tão imbecis?
Quando nos tornamos tão imbecis?
Será que foi quando os irmãos mais novos deixaram de usar, felizes da vida, as roupas boas dos irmãos mais velhos? Ou quando passamos a jogar fora livros didáticos? Ou ainda quando deixamos de nos incomodar com os pratos de comida abandonados pela metade por estas crianças escravizadas que criamos, cheias de vontades e sem nenhum respeito pelo mundo que as cerca?
Será que a água que vai faltar nos devolverá alguma vergonha, aquela que tínhamos na cara quando a vida era mais simples, decente e feliz?
Luis Caversan UOL 31.01.2015
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